Ontem de manhã saí de casa e apetecia-me partir loiça. Apetecia-me que chovesse torrencialmente e que o vento desancasse as árvores com tanta fúria. Apetecia-me bater nas paredes e dar murros nas portas. Apodrecia por dentro e queria mesmo era apagar do cérebro esta melancolia lúgubre, e não sentir nada. Queria ir para um lado onde fosse possível fazer a vida andar para a frente sem ter que fazer o que quer que seja. Apenas andar, como se faz no dvd. Num espaço onde tomar decisões e fazer escolhas fosse apenas uma coisa que nos acontecesse. Sem termos que perder ou ganhar. Sem termos que apanhar pedras pelo caminho ou lamentar o tempo, a demora, o momento.
Apetecia-me, não era mudar de vida, mas gritar comigo e com a minha mesma vida. Acordar-me deste torpor e ver-me de fora a andar. Mas não, só esta angústia triste e tudo preto.
Cheguei à loja onde muitas vezes vou comprar um jornal. O dono é um senhor simpático que à hora do almoço deixa a mercadoria à porta, que vai a casa e deixa a loja aberta, anda sempre bem disposto e tem logo em cima do balcão aquilo que eu quero mal espreito à porta e digo bom dia.
neste dia havia mais pessoas que lamentavam a vida, de uma forma diferente da minha, mas que no fundo ía dar ao mesmo sítio. Intranquilo e quase demoníaco. Aquele lugar para onde vamos sempre que lamentamos a vida.
Quando já me vinha embora, depois de ter tentado que as palavras amáveis fustigassem de chuva boa a minha angústia parva, diz o dono da tabacaria, "sabe, minha senhora, é preciso ter calma e paciência que assim a vida vai".
Eu, fiquei muda, "a vida vai"...Estas palavras simples colaram-se a mim durante umas horas e depois, entre um mal e outro, pensava nelas, adormeci nelas por alguns minutos e achei que elas continham nas suas letras toda a sabedoria do Mundo.
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