domingo, 27 de dezembro de 2009

CONTO DE NATAL



Havia qualquer coisa no Natal que a enfadava. Já fora, para si, a melhor época do ano. Hoje não.
Nascia Jesus é certo, mas isso sentia-o todo o ano e todos os dias junto de si.
Era a “festa da família”, mas que família? A maior parte das pessoas não via nem sabia da família o ano inteiro, essa família com que se reuniam no Natal eram desconhecidos a quem compravam um presente só porque era Natal. Não sabiam do que gostavam, o que sentiam nem mesmo sabiam bem onde moravam. Eram família. Era Natal.

Na verdade, para muitos a família eram os amigos que adoravam e com quem partilhavam as horas e os dias, os que estavam ali ao lado todo o ano, aqueles com quem se sentiam em casa, que os procuravam e que procuravam. Com esses estariam em paz e sentiriam o Natal como uma festa não como um ritual que se repete monótono e quase gestual.
Sabia que para alguns a família era outra coisa, a comunhão das horas e a cumplicidade dos momentos, para alguns o Natal era rever e saber dos outros, esses outros com quem não partilhavam todos os dias mas com quem iam coleccionando segundos ao telefone e mensagens para que nesse repetir as palavras fossem deixando rastos de si mesmos. E esses rastos facilitariam a vida e as horas más, nesses rastos se albergariam os nadas que sabiam de todos e com eles estariam mais perto, mais dentro e mais presentes.
Para outros os amigos são isto mesmo, a família que não têm, que nunca tiveram e que só descobriram mais tarde, à medida que o tempo foi passando e que se iam deixando nos outros e os outros em si. Pena era que estavam todos demasiado ocupados a tentar encontrar família nos restos dela mesma. Demasiado ocupados a tentar encontrar um presente adequado que é sempre desadequado porque nesta busca apressada em que qualquer coisa serve só porque tem que ser, o tudo fica pelo caminho. O tudo é o que vale a pena. É a cumplicidade partilhada que se revela quando se oferece o que o outro verdadeiramente gosta, e a esta só ascende quem “perde” tempo a conhecer, quem está atento às palavras, quem ouve devagar e precisa desse tempo escondido que poucos encontram e fazem seu.
A euforia do presente consome o tempo e a alegria da procura, banaliza o gesto e diminui valor ao Natal.

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